sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

O Observador do Ridículo



O ridículo permeia todo e qualquer lugar. E geralmente faz a festa. Num outro ponto mais afastado do salão O Observador encostado na parede absorve alguns detalhes e coloca a mão sobre a cabeça e pensa consigo mesmo “Não acredito que ele está fazendo isso”.
Pois é o que ele sempre faz, ainda assim O Observador não deixa de ficar perplexo. Vê ridículos por todos os lados. Naquela festa que foi na noite passada, cometendo erros de português ao conversar com gente importante. Cantando na chuva em inícios de manhãs, transitando pelas calçadas em zigue-zague como se fosse gente normal. “De repente eles já se tornaram a maioria”, observou O Observador ao observar o trajeto sinuoso de um ridículo no outro lado da rua.
- Deplorável.
Outro dia, no que era pra ser uma tarde agradável de inverno, foi a gota d’água. O Ridículo abordou O Observador como se eles existissem no mesmo mundo e gastou o verbo dizendo coisas ridículas por toda a extensão de um curto diálogo que se formou.
- E aí, cara? Eu e a galera resolvemos organizar uma socialzinha na casa da gostosa da contabilidade. Partiu?! Vai ser bom pra você dar uma renovada no seu ânimo, já passou da hora de balançar esse esqueleto!
- Não tem nada de errado com meu ânimo, aliás, acho que tenho outros planos.
Uma risada escandalosa ecoou por todo o escritório atraindo a atenção de todo o resto, é claro que ela partiu Do Ridículo e todo resto consistia em fortes candidatos a membros do clube.
- Cara! Eu ainda nem te disse que dia é, relaxa aí! Vai ser hoje à noite e todas as mulheres do escritório vão. Eu consegui diversas coisas pra animar a galera, se é que você me entende. De repente até você consegue arrumar umazinha por lá. O que você me diz?
- Eu te digo que eu realmente estou ocupado hoje... Foi mal – ele acrescentou no final com o intuito de não parecer um babaca snob, apesar de ele ser.
- É uma pena – comentou O Ridículo sem sua costumeira efusão que voltou logo no segundo seguinte – Vai ser a-ni-mal! Aposto que você vai se arrepender amanhã.
No dia seguinte, todos os membros da equipe de criação e de contabilidade tinham uma cara pior que a outra. Castigados pela ressaca. “Bem feito”, pensou O Observador “Quem é que está arrependido agora?!”. Com certeza não era ele, principalmente não depois de receber um elogio do seu chefe por conta de sua eficiência. Isso tinha cheiro de promoção. Até porque, nada mais justo, ele andava fazendo por merecer. Dia e noite. Mesmo que soubesse que o mundo da publicidade é feito de competição, não de justiça. Tinha sempre que se lembrar de agir igual naquele ditado dos ovos e da galinha.
Durante todo o curso da manhã correram boatos sobre a festa que não poderiam ser classificados como discretos. Pelo visto rolou um princípio de suruba e todos os presentes acharam super legal, de modo que já se envolviam em planejar outra reunião para a próxima semana. Dessa vez não o convidaram. E toda vez que O Ridículo se pavoneava através das divisórias de vidro do escritório na direção em que O Observador trabalhava, ele achava chegariam as sábias palavras anexadas ao convite. Não que ele pretendesse aceitar, se tratava apenas de um teste sobre nível de educação desses caras. Nunca chegou.
O que chegou, na reunião rotineira das segundas de manhã da semana seguinte foi o anúncio da promoção. Não para O Observador, mas para O Ridículo. E como O Observador nem ninguém em volta conseguiu acreditar naquela nominação, ele se viu na obrigação de confirmar a arbitrariedade daquele absurdo. Coisa que seu chefe disse que estava mais que confirmado.
- Meu jovem, você é um rapaz de ouro e naturalmente ficou entre minhas opções, mas o outro jovem, O Escolhido, tem mais o perfil da empresa. Audacioso, vivaz!.. Essas coisas, você sabe.
Não, ele não sabia como um rapaz de ouro poderia terminar com a medalha de prata. Nem sequer fez questão de entender que expectativas altas tendem a cair de distâncias maiores. Pela primeira vez em sua vida profissional ele teve vontade de faltar ao trabalho, mas para isso ele teria mentir que estava doente e isso seria ridículo.
O metrô estava repleto deles. Com seus fones, ouvindo música alta e mexendo a boca conforme a letra. Às vezes eles esbarravam No Observador, interrompendo seu espaço pessoal, com frequência eles nem percebiam o incômodo que causavam. “Droga...”, eles eram sempre assim, espaçosos e barulhentos. Ocupados demais em conversar coisas banais com a pessoa do outro lado.
Eles também tinham essa característica de andar em bando. Na calçada de mãos dadas bloqueando a passagem, no restaurante mais falando que comendo em pleno horário reduzido de almoço. Muito irritante para O Observador que tentava avançar sozinho através da multidão.
Acabou que O Ridículo em menos de um mês teve um caso com a mulher do chefe. E foi descoberto. Logo depois, despedido. O Observador não poderia dizer que ficou surpreso com isso, ficou surpreso com o modo que ele reagiu à demissão; subindo na mesa com um discurso feito aos berros.
- Não posso dizer que foi um prazer trabalhar com vocês, é aquela coisa né... Eu tenho outras formas de sentir prazer. Há! Mas é o fim de uma grande etapa na minha vida e sinto que tenho que bebemorar com todos vocês que fizeram parte dessa fase. E que fase! Todos estão convidados, até o Esquisitão de Óculos de Aro de Metal.
Essa era um referência Ao Observador, que instintivamente ajeitou os óculos no rosto. Que eram grandes e pesados e sempre escorregava nariz abaixo. Como O Observador odiava esses óculos...
Por uma razão simples, ridículos também usam óculos e ultimamente eles tem achado que quanto maior melhor. De vez em quando os tamanhos dos óculos dos ridículos se encontravam com os dele e nada pior do que ser igualado a quem se despreza. A única diferença eram seus aros de metal muito arranhados. Contudo, já que seu codinome foi mencionado no discurso e o convite reforçado por diversos comparsas nas mesas em volta, ficaria feio não ir. Por isso ele foi.
A reunião aconteceu num karaokê no Centro da cidade. Existem poucas coisas mais vergonhosas do que gente sem talento e com orgulho disso; outro item presente na sua lista de ódios mais frequentes.  Ele não iria cantar de jeito nenhum. Mas os outros, regados a cerveja, mostravam seus desafinamentos sem medo de ser feliz.
Foi aí que O Observador percebeu algo novo no comportamento dos ridículos. Novo para ele. Junto, começou com uma suspeita de que tal elemento sempre estivera ali. Como ele não tinha visto antes? A felicidade que permeava os rostos dos ridículos enquanto faziam ridiculices. O riso dos outros que estão em volta apenas por presenciar o momento. E ele ainda se intitulava como Observador? Olhou para os lados e viu que era o único que deixava de se divertir por recear ser classificado como bobo ao invés de alegre.

Então João pegou o microfone.  
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Último texto do ano, porém o primeiro que posto aqui. Essa sou eu :}
PS: amo Disney.

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